segunda-feira, 9 de maio de 2016

A VOZ DOS ANIMAIS


Uma semana no Elephant Nature Park - ENP e parece que fiquei um mês ou mais. De tão intenso que foi; do tanto que aprendi e refleti. Pra escrever esse post tive que respirar fundo várias vezes (e limpar as lágrimas também). Foi bem difícil, o mais difícil de todos, até então. Não que a semana tenha sido ruim. Foi perfeita!!! Mas a realidade dos animais que vivem lá, ou melhor, o passado deles, é muito triste. 

Vou começar pelo parte boa: a diversão! O ENP é uma Fundação que existe há mais de 20 anos. Sua fundadora é Lek Chailert, uma mulher incrível, que dedica sua vida aos animais. Lek na língua Thai significa pequeno, mas de pequena ela só tem a estatura mesmo. É uma das mulheres mais especiais e incríveis que já tive o prazer de conhecer pessoalmente. O coração é gigante, o sorriso é largo e as atitudes dela estão mudando a realidade do elefantes na Tailândia e nos países vizinhos.

Ao todo, éramos quase 80 voluntários de várias idades e vários lugares do mundo. Chegamos no ENP numa segunda, fomos recebidos por uma equipe super divertida e, logo de cara, fomos assistir um vídeo que conta a realidade dos elefantes na Ásia (foi pior que levar um soco no estômago!). Depois fomos almoçar, nos acomodar nos quartos e saber como seria nossa rotina durante a semana. Os voluntários são divididos em grupos e cada dia tem tarefas diferentes para cada um deles. As tarefas são: limpar cocô dos elefantes (que é ótimo porque você pode estar mais perto deles); preparar a comida (que no final sempre íamos alimentá-los); limpar o parque; colher milho pros elefantes (que apesar do trabalho braçal é super divertido) e dar banho nos bichinhos. Todas as refeições são feitas no parque. São refeições vegetarianas (posso dizer que são quase veganas) e são uma delícia!

Fora as atividades diárias, tínhamos bastante tempo livre pra descansar, fazer massagem, pensar na vida ou simplesmente observar os elefantes (juro que poderia fazer isso por horas, principalmente os bebês que são super divertidos!). Também podíamos passar um tempo com os cachorros que tem no abrigo dentro do parque. O ENP é um santuário que abriga vários animais resgatados. Aqui tem mais de 500 cachorros, gatos, macacos, pássaros, coelhos, búfalos, vacas. Todos foram resgatados de algum lugar onde sofriam abusos e maus tratos, ou da indústria farmacêutica ou cosmética, ou do abate, ou do circo etc. No ENP eles podem viver com dignidade!

Também tem a parte social de conhecer pessoas de quase todos os cantos do mundo e trocar experiências. É bacana ver o Universo arquitetando esses encontros e como a energia flui. Você começa a perceber que tem muita gente que pensa como você. Me dá uma sensação de pertencimento ou de que não sou tão diferente assim como meu pai pensa que sou.. rss.. Uma semana no ENP não se resume a apenas acordar cedo, trabalhar duro em alguns tarefas, passar algum tempo com os elefantes e tirar fotos pro Facebook. Significa transformação! Que pode ser sutil para alguns, ou profunda para outros, depende de quão disponível  a pessoa está. Certeza que a Patrícia que chegou no ENP não é a mesma que saiu de lá. Não tem como não sair transformado! Ouvi um relato que um dos voluntários decidiu diminuir o consumo de carne e, que aos poucos, vai tentar cortar a carne de vez e virar vegetariano! Ponto pra ele e pra Lek!

Agora a parte difícil! Vou tentar seguir a metodologia da CNV (Comunicação Não-Violenta), porque senão não consigo escrever.

Primeiro passo: os fatos (vou tentar não colocar nenhum juízo de valor, mas confesso que é difícil) – o elefante é o animal símbolo nacional da Tailândia. Eles são considerados sagrados e tem uma relação muito forte com a história e os costumes tailandeses. São animais que representam sabedoria, poder, longevidade e trazem boa sorte. A população de elefantes asiáticos vem diminuindo nos últimos anos. Hoje restam cerca de 6.000 elefantes (o que antes era 300.000). Eles vem sendo usados em várias áreas, mas grande parte delas relacionadas ao turismo. Turistas montados nas costas dos elefantes é o mais comum de ver por aqui, mas também existem elefantes andando nas ruas com seus mahouts (a pessoa que cuida deles) pedindo dinheiro, elefantes “pintando” quadros, atrações circenses e festivais com os animais. Fora isso, tem a indústria moveleira, que além de destruir as florestas, usa os animais para carregarem toras pesadas de madeira nas montanhas. Um breve parênteses: aqui vem outro problema que é a destruição da floresta. As árvores são protegidas por Lei SE, e apenas se, elas estiverem vivas. Mortas não tem problema nenhum derrubá-las. O que eles fazem? Colocam veneno, ou queimam o cerne da árvore e ela vai morrendo aos poucos. Daí eles vão lá e derrubam árvores de 300 anos de vida. Imagina o tamanho da tora pro elefante carregar. Imaginou? Ah, e não tem estrada ou trilha, não. É subindo e descendo ladeira no meio da mata fechada, passando por dentro do rio e todos os perrengues. Se um elefante quebra a perna ou se machuca nessa atividade, não tem como transportá-lo para um lugar que possa ser tratado. Muitas vezes eles são abandonados na floresta e morrem sem ter como se alimentar.

Para que o animal possa fazer tudo isso, ele é treinado em um ritual chamado Phajaan. Esse treinamento é torturante e eles buscam com isso “quebrar o espírito do elefante”. Em resumo, os bebês são separados de sua mãe (isso significa matar a mãe e as tias que ajudam a cuidar do bebê) e são confinados em gaiolas que eles não conseguem se mexer. Daí eles ficam dias a fio (sem parar) sendo torturados com todas as atrocidades inimagináveis, privados de sono, comida ou água. Em geral os machos levam mais tempo e muitos morrem nesse período. Alguns tentam se matar durante o treinamento, por isso os treinadores amarram a tromba do animal para que isso não aconteça. As torturas e maus tratos vão continuar por toda a vida do animal, menos intensas, mas elas não cessam.  Ah, só pra constar, isso ocorre em toda a Ásia, não só na Tailândia.

Segundo passo: meus sentimentos – Assistir as cenas do Phajaan foram bem chocantes e doloridas. A primeira coisa que senti foi uma raiva imensa e um desgosto sem tamanho da raça ao qual eu pertenço. Sabe aquela frase: “Quanto mais eu começo o ser humano, mais eu gosto dos animais”? Pois é, ela nunca fez tanto sentido pra mim, como nesse momento. Se formos analisar friamente, o ser humano é capaz de fazer tanta barbaridade com sua própria raça, que com os animais fica até parecendo mais fácil de digerir. Mas não é!  Depois de muito pensar, comecei a refletir o que levam as pessoas a serem parte disso. Desde o treinador, que na minha opinião faz isso pra alimentar um mercado lucrativo (e de onde ele tira o sustento de sua família), até os turistas que, muitas vezes sem saber, contribuem para tudo isso. Lek nos contou que muitas vezes quando ela está em lugares onde as pessoas passeiam de elefantes ela se aproxima dos turistas e pergunta: “Você tem ideia do quanto esse animal sofreu pra aceitar que alguém suba nas suas costas?” As respostas geralmente são as mesmas: “Elefantes são fortes e podem aguentar”, ou pior “Sinto muito, eu já paguei pelo passeio”. 

Mas depois minha raiva e desgosto passaram. Hoje sinto coragem para ajudar a mudar essa realidade. E grande parte dessa coragem veio da palestra que a Lek nos deu no sábado à noite. Queria que todo mundo, uma vez na vida, tivesse a chance de ouvi-la pessoalmente. Comecei a enxergar que as pessoas boas são a maioria! Tem muita gente boa fazendo coisas maravilhosas mundo a fora. Quando perguntaram pra ela o que podíamos fazer para ajudar, ela respondeu que basicamente é um trabalho de formiguinha. Mesmo que seja de pessoa em pessoa, vale a pena mudar a concepção e a relação que as pessoas tem com os animais. Ah, só pra constar (2), estou me referindo a qualquer animal! Desde elefantes, cachorros, gatos e aqueles que nós seres humanos insistimos em colocar no nosso prato! Como a Lek diz, se amamos elefantes (e nossos bichinhos de estimação) porque não amar todos? 

Terceiro passo: minha necessidade – É muito simples e ao mesmo tempo complicada. Eu tenho a necessidade de viver em união. Isso significa, que eu queria que as pessoas compreendessem que seus atos, desde o mais simples, como respirar, ao mais complexos, não estão isolados. Queria que as pessoas tivessem a consciência que tudo está conectado e que o que fazemos reverbera, seja onde for. Basta você decidir se quer impactar positivamente ou negativamente. Turistar não é diferente! Você pode escolher se quer ser parte disso tudo ou não. É preciso ter atenção, porque nem sempre a gente consegue enxergar a maldade que tem por trás das coisas. Mesmo ficar do lado de um elefante para tirar fotos traz prejuízos. Certeza que ele foi treinado para aceitar um humano do lado dele. E ainda sim, você pode observar que os mahouts sempre carregam objetos pontiagudos com eles (às vezes um simples prego para ninguém ver) que só do animal ver, ele se lembra do treinamento traumatizante que recebeu e obedece o seu dono. Muitos elefantes, que hoje estão no ENP e que antes trabalhavam no circo ou nos festivais, são cegos por causa dos flashs das câmeras. E aqueles que são atropelados por carros quando estão nas ruas de Bangkok pedindo dinheiro? Geralmente são os bebês que fazem isso, pois são mais fáceis de controlar. E ainda tem os que caem em bueiros na cidade porque o piso não suporta o peso deles e quebram pernas ou quadril. Outro exemplo: aqui na Tailândia em alguns templos é possível encontrar pássaros engaiolados que, por míseros 100 Bath, você pode libertá-los e isso, em tese, traz sorte pra pessoa que o libertou. Bacana né? Só que não! Esses pássaros são capturados às vezes a mais de mil quilômetros de distância da cidade e eles fazem captura em massa. Ou seja, aquela fêmea, que estava voando e procurando comida pros seus cinco filhotes que ficaram no ninho, foi capturada e não vai mais voltar pra casa com comida. Adeus filhotes.... E tem mais, imagina o transporte sofrido que eles passam. E quando são soltos na cidade, eles não estão em seu habitat natural. Vão morrer atropelado ou virar comida de gato.

Quarto passo: meu pedido – Aqui é a parte complicada porque eu queria pedir muuuuittasss coisas. Mas vamos por partes que é melhor! Quando eu vejo a situação que existe por trás do turismo com animais, sinto coragem para tentar mudar isso, pois tenho a necessidade de viver em união, onde as pessoas entendam que elas são parte de um Todo; que suas ações não são isoladas. Por isso, da próxima vez que forem viajar (ou mesmo turistar na sua própria cidade), escolha com atenção seus passeios. E não se sinta culpado ou envergonhado caso você já tenha andado nas costas de um elefante, ou participado de atividades com animais. Essa não é minha intenção, porque eu mesma já fui duas vezes no Sea World e nadei com golfinhos em outra ocasião. Coisas que não faço mais depois de ter assistido o documentário Blackfish. Outra coisa, se você trabalha com turismo vendendo pacotes, plissssss, não venda esse tipo de passeio. Eu perdi as contas de quantas vezes me ofereceram isso na Índia. Mas nem tudo está perdido! Se seu sonho é andar nas costas de um elefante, ou interagir com animais (que é super bacana), faça pesquisa e visite lugares que de fato se preocupem com a questão animal, que não usam violência na treinamento. Se for à Chiang Mai, passe pelo Elephante Nature Park (eles tem centros em outras cidades também). A questão toda se resume em ter consciência, e coerência, na hora de viajar, de se alimentar, de se vestir e por ai vai.

Desculpa pelo texto gigante, gente! Precisava desabafar! :)

De brinco de flor!!!


Eu e Lek 

Eles são grandes mais são uns amores

Fim de tarde

Bebê curioso se aproximando 

Banho de lama

Sorriam pra foto!!!

Preparando a comida deles

No caminhão indo buscar milho pros elefantes

Trabalho pesado mas divertido


Kabu (minha predileta) e seu mahout 


Hora do banho


Baby and momy

Eu e Kabu

Batendo um papo com Lek e os elefantes

Pequeno Dok Rak com uma semana de vida










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